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PAREDE PRETA

Lagoinha
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Profecia

Em 2013, a Igreja Batista da Lagoinha reuniu um público de 10.000 pessoas para ouvir a norte-americana Cindy Jacobs em um dos seus congressos, realizados na sede da igreja no bairro Concórdia (Rosas, 2015). Atuante em Belo Horizonte desde 1957, a IBL é uma cisão da igreja batista tradicional, e surge com o objetivo de estabelecer o Batismo no Espírito Santo, rito não aceito na teologia original. É liderada por Márcio Valadão, pastor e pai dos pastores e cantores Ana Paula, André e Mariana, figuras nacionalmente populares e presentes no ministério desde a infância.

Na ocasião, a pastora profetizou que um grande avivamento espiritual aconteceria no Brasil e da IBL sairia um presidente pentecostal eleito. Ao seu lado do palco, Ana Paula Valadão traduzia simultaneamente as boas novas para o português. Não foi a primeira vez que Ana Paula serviu como intermédio entre a evangelização dos dois países: foi educada em um seminário teológico em Dallas e de lá exportou ideias basilares para o sucesso da igreja de sua família. A discussão de assuntos políticos e econômicos nos palcos da Lagoinha é influenciada pela Teologia do Domínio, abordagem teológica que defende a dominação cristã nos “Sete Montes”: família, religião, educação, mídia, lazer, negócios e governo (Pereira, 2023). É o que os Valadão estabeleceram com a criação do Diante do Trono, grupo musical que transformou a maneira de evangelização multimídia e uso do corpo nos ritos pentecostais.

A empreitada da família Valadão funcionou ao relacionar seu projeto teológico à indústria de produtos efêmeros. Anteriormente focado na produção de bens, objetos e itens, a indústria adquire mais lucro com a venda de elementos imateriais, como eventos e espetáculos, por seu curto tempo de vida (Harvey, 2008). A estratégia atinge um segmento jovem, o que complexifica a relação da IBL com demandas seculares. Tendências como gêneros musicais e vestuário são absorvidas com facilidade, mas questões de gênero e sexualidade ainda geram controvérsias.

O Diante do Trono instrumentalizou a corporeidade fornecida pelo Espírito Santo em práticas artísticas (Rosas, 2015). Por intermédio do pastor-cantor modelo em destaque, os fiéis ritualizam a fé de acordo com o representado no palco, por meio de danças e cantos coreografados. Segundo Calvani (2014), o advento do palco no lugar do altar ou púlpito é típico das juventudes incorporadas às celebrações pentecostais pelo sucesso da música gospel. Os templos que mantém um palco como centro da pregação são projetados como casas de shows, ocupando grandes salões escuros com alto investimento em iluminação e acústica.

Tal tipologia foi batizada informalmente como Parede Preta pelo público evangélico pois a infraestrutura de transmissão e luz geralmente apresentam-se num interior escuro, pintado de preto. O negrume é importante para destacar as projeções e os corpos ritualizados que dançam no salão. A iluminação permite que o espaço torne-se simultaneamente monumental e mutável, ao expandir os limites físicos por meio da luz e sombra (Venturi, 2003). Os shows de adoração intensificam as sensações que o espaço religioso pode oferecer, ofertando um ambiente de fortes emoções construído “pela coreografia dos dançarinos e pelos apelos ao público para que feche os olhos, ajoelhe, coloque as mãos no coração” (Cunha, 2004, p. 175).

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Durante sua expansão, o edifício central da IBL trocou seus revestimentos internos, originalmente em madeiras e tons claros, por aparelhagem hi-tech e paredes pretas. O período marcou também o arrefecimento das chamas do Espírito Santo, já que os próprios ritos tornaram-se menos emotivos e espetaculares ao passo que a igreja atingia plateias cada vez mais elitizadas. A IBL ainda incentiva a tradição da glossolalia, mas nada tão espetacular como os corpos caídos e reprodução de sons e gestos animais na plateia e no palco banais durante os anos 2000, como a Unção do Leão performada por Ana Paula: a pastora engatinhava e rugia em meio ao transe espiritual.

A estratégia foi gestada em denominações contemporâneas, como a Bola de Neve Church ou a Igreja Central, e exportada para outras igrejas pentecostais tradicionais. Exemplo disso é a reforma da fachada do templo central da Assembleia de Deus em Belo Horizonte, que ocupa o número 1341 da Rua São Paulo, no Centro. Em 2019 o edifício tipicamente sóbrio em linhas retas foi envelopado em placas de ACM roxo, vidros espelhados e leds brilhantes. O ACM é a junção de duas chapas de alumínio com uma chapa de polietileno, o polímero mais utilizado no mundo. É um dos milhares de produtos plásticos fruto de uma transformação ecológica em grande escala que resulta na destruição de recursos energéticos, no consumo rápido e em grande poluição (Preciado, 2008). É massivamente utilizado nas igrejas pentecostais analisadas e foi uma das soluções construtivas importadas da arquitetura comercial.

A Parede Preta é fruto de uma nova configuração que organiza-se nas lógicas digitais e de seus processos de produção de sentidos. Os discursos são transmitidos em tempo real nos telões, alto-falantes, rádios, TVs, sites e redes sociais. Os dispositivos e os regimes discursivos nele produzidos formatam uma prática religiosa próxima da lógica do espetáculo, pronto para ser consumido por meio de espaços filmáveis e postáveis, não mais no formato horizontal típico das TVs, mas verticalizado pelo advento dos celulares (Preciado, 2023). A digitalização pentecostal aproxima seus símbolos ao cotidiano das pessoas de maneira sutil e eficaz, potencializados pelo imediatismo e fragmentação natural desse veículo.

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